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_cerrado [poema]

me perdi
no cerrado
e vi
uma solidão
estranha

nada além
do canto
da ema
do rouco
tropeço
de meu cavalo

apenas eu
e os pastos
iluminados
pelo silêncio
do sol
alto

apenas
o silêncio
e a vida
seca
dos seres
cerrado

me perdi
e senti
que tinha
perdido
um amigo
bom

senti
que havia
ausência
de mim
na minha
presença

na solidão
infinita
ínfimo
e etéreo
me percebi
perdido

tão pequeno
um grão
de cavalo
entre
vacas
distocidas

o calor
soporífero
distorcendo
a curva
do horizonte
amarelecido

me perdi
no cerrado
e vi
a solidão
da vida

em paz
descansei
a vista
cansada
de barulhos
sonsos

e o que vi
me trouxe
paz
de eremita
ermitão
não solidão

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