Pular para o conteúdo principal

_meu filho é maconheiro (conto)


- Mariuza, estou absurdada!
-Ah, Paulinha, eu tenho certeza, ele fuma maconha. Desgraçado, eu sei que ele anda fumando por aí!
- Mari, chega. O que é isso? Você com tanta desconfiança de seu próprio filho? E olha: se eu conheço bem ele, menino tão bom, tão gentil e educado, trabalhador, nunca te deu dor de cabeça… ele nunca ia fazer uma coisa dessas. Eu tô com a Paula: é um absurdo você pensar isso do Juninho. E vê se pára de chorar e se acalma.
- Claudinha? Você também? Eu não acredito. Criei o menino com tanto amor, com tanta dedicação, dei minha vida para ele, e o que ele faz? Vai fumar maconha, o vagabundo!
- Eu é que não acredito! Você fala como se o menino fosse um bandido, um marginal. Como pode você falar uma coisa dessas. É só olhar pra cara dele… nunca fumou nem vai fumar isso. Pára com essa desconfiança besta, Mari, teu filho é um ótimo rapaz, saudável, inteligente, tem a namoradinha dele, foi tão bem criado. Eu acho que você está preocupada à tôa.
- Vocês, tias, não sabem, vivem paparicando ele. Eu tenho certeza: ele fuma! Meu filho é maconheiro!
Havia meia hora que estavam falando. Neste ponto da conversa as tias se entreolharam. A teimosia da irmã mais velha já estava parecendo teimosia pura.
- Ah, Mariuza, eu não acredito que você insiste nessa idéia. Você já falou com ele?
- Não.
- E vai falar quando?
- Não vou falar.
- Como não vai falar? Aiaiai...
- Não vou falar. Vou dar uma surra nele e pronto. Vai aprender a ser gente.
- Mana, o mínimo que você tem que fazer é perguntar pra ele antes. Você não pode ir acusando assim sem ao menos perguntar, conversar, ouvir o que ele tem para dizer...
- Então você concorda comigo?
- Em quê?
- Que ele fuma.
- Não, claro que não. Só acho...
- Você acabou de falar que ele tem o que dizer. Concorda.
- Não senhora, nada disso. Falei que você tem que conversar com ele, só isso. Se perguntar, com certeza ele vai ter coisas pra te falar. Quem sabe, se essa sua idéia absurda for verdade… ele talvez até assuma, ué. Porque não?E ele não tem mais tamanho para apanhar de você...
- Ih, eu acho que vocês duas estão falando besteira. O menino não fuma e pronto. Ele nunca ia fazer uma coisa dessas.
- Ele fuma sim. Vive por aí com moleza… se você estivessem aqui todo dia iam ver como ele é… come que parece um boi… mole, mole. No fim de semana, o mais cedo que ele levanta é depois do meio dia… vive com aquele nariz escorrendo…
- E o que que o nariz tem a ver com isso, Mariuza?
- Ué, e eu sei lá. Mas ele nunca teve isso e agora tem. E tem porque fuma maconha, o safado!
- Sei não… acho que sua preocupação é besteira. E pára de chorar, vou te fazer um chá, você está muito nervosa...
- Vai Cláudia, eu fico aqui com ela.
- NÃO QUERO CHÁ!
- Tá bom, calma…
- Calma merda nenhuma, eu tô falando que ele fuma e vocês duas ficam aí defendendo ele.
- Mariuza, o que é isso? Você mesma acabou de falar que nunca viu, que nunca achou nada nas roupas dele… eu acho que você…
- Eu sei! E vocês devem fumar com ele, para ficar aí defendendo o safado. É isso que eu acho!
- Aaaaaaaai que absurdo.
- Paula, vam'bora que essa aí já está maluquinha.
- Olha ele chegando aí...
- Psit...
- Que que é, Mariuza? Vou falar sim, e vou falar agora!
O rapaz entrou na cozinha. As tias e a mãe se olhando com cara de nervos... não entendeu porra nenhuma.
- Junior, sua mar acha que você anda puxando uns fuminhos por aí. Pronto, falei.
- Ãh?
- Sua filha-da-puta!
- Pára, pára… Cláudia, segura ela! Ái…
- Juninho, você fuma maconha?
- Eu?… não…
A mãe parou, olhou o rapaz.
- Mentiroso!
- Tia, o que é isso?
- Sua mãe cismou que você fuma maconha. Você fuma?
- Não, acabei de falar que não… mãe…
- Filho-da-puta mentiroso…
- Pára, Mariuza, pára. Não precisa falar assim com ele. Vocês tem que conversar…
- Cala a boca… não se mete… porque você foi falar pra ele. Eu sei educar o MEU filho! Quando você tiver o seu você faz o que quiser, ou com o da Paula se ela deixar… mas o meu é meu!
- Mãe, não to entendendo nada...
- Tão vendo como o safado fuma…
- ...
- Mariuza, você está ficando doida…
- Mãe, eu não fumo nada… nem cigarro nem maconha…
- Fuma sim. Eu sei!
- Mariuza, pára. Ouve o menino.
- Cala a boca, Paula!
- Vixi...
- Mão, eu tô te falando. Nem beber eu bebo, mãe. Nunca nem vi esse negócio. Só sei que tem um cheiro forte… você já sentiu algum cheiro estranho nas minhas roupas?
- Não. Mas você fuma!
- Mãe… pára… não fumo nada.
- Então porque acorda tão tarde no fim de semana? Hein, me explica! Come que nem um cavalo… um boi… sei lá, um bicho! E não engorda um dedo se quer…
- Mãe…
- Mãe não! Eu te deserdo!
- Mariuza, você está indo além da conta. Por que você não ouve o menino?
- Mãe, eu como porque tenho fome… e durmo porque tenho sono…
- Você acha que eu sou idiota, menino? Acha? Pois saiba que eu não sou, não.
- Mãe, pára, por favor… eu não vou nem tentar te dizer que eu não fumo na…
- Tão vendo, tão vendo? Ainda é abusado, me desrespeita… tão vendo como ele fuma? Isso é coisa de quem fuma essas coisas!
- Mariuza… você nem ouve o menino…
- Ele não tem o que falar, Paula!
- Mas, Mari… você tem que ouvir… você está acusando ele de uma coisa séria…
- Eu não acusei ninguém, Cláudia. Ele é que se sujou!
- Você está sendo injusta, Mari…
- Injusta? Injusta? Você tem coragem de falar uma coisa dessas para mim? Eu criei esse safado, ele saiu da minha barriga, aprendeu a falar comigo, mamou no meu peito, eu eduquei esse vadio, mandei para a escola, lavei fralda cheia de merda, dei comida na boca, fiz tudo sozinha… e o filho-da-puta cresce e vai fumar maconha! Injusta?Vou te mostrar o que é injustiça! E vocês ainda tem coragem de falar que ele não fuma…
- Mãe, eu não fumo! De onde você tirou essa idéia?!?!!?
- Você não: a senhora! Descarado, mentiroso!
- Mãe, por favor, pára. Que teimosia…
- Vam'bora, Paula.
- Vamos. Mariuza, por favor, conversa com o menino. Você está parecendo uma louca desse jeito. Fala o que você pensa, mas sem acusar… conversa com ele, ele vai te ouvir. Depois ouve ele. Você vai ver que tudo isso é uma grande bobagem. Um menino tão bom… ele nunca ia fazer isso com você!
- Vamos, Paula.
- Tá. Tchau, Juninho. Conversa com a sua mãe.
- Tchau, querido. Tchau, Mari.

-------


Na manhã seguinte, uma pequena chamada de capa, acima da dobra, de um jornal da cidade era a seguinte: "Mãe mata filho maconheiro". O texto dizia que "Mariuza, 52, assassinou o próprio filho, Marcos A. Freire Junior, 17, a facadas durante esta madrugada. Nos exames de sangue feitos pela polícia foi encontrado um alto teor de THC, princípio ativo da erva – o que indica o uso. A mãe será indiciada por homicídio doloso e pode pegar até 30 anos de cadeia. O único pronunciamento da acusada, ao ser detida, foi: 'eu tinha certeza'. Cidade, p. 3"

FIM

***

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

_sustância [poema?]

relógios relógicos Substância do tempo instância do instante prismas numéricos ponteiros pesados apontam, persistem perfuram a massa insustentável da vida passando entrando saindo andando sombra solitária navegando terra adentro procurando um refúgio lunar dígitos despidos repetem repetem repetem concordam contínuos relógios, relógicos parados não mudam o tempo a nos comer ***

_abandono [conto]

Nos abandonamos, finalmente, no dia em que ela soube que eu também sabia que precisávamos conversar. Na verdade, ela foi abandonada primeiro. Não era um jogo, era uma cena de um jogo. E a tática da melhor defesa vinha a calhar, enfim, para quem não sabe como se defender no cara-a-cara. Até que não pudemos mais resistir e nos entregamos suavemente a uma conversa leve e franca, intensamente a um sexo voraz e tenso, demoradamente a um sono perturbado e solitário. Primeiro sentamos na beira do mar. Olhamos as estrelas e ela gostava de discutir sobre a imensidão. Minha idéia de que éramos um vírus, embasado no fato de que somos a única espécie que não se adapta ao meio, a deixou sinceramente perturbada. Perdemos horas tentando explicar um para o outro que estávamos abertos a qualquer tipo de idéias. E ganhamos admiração. Era carnaval, pessoas comuns se tornavam exóticas. Não houve luxúria, mas houve paixão. Sem exotismos. Nos perdíamos pouco, ainda, no silêncio de nossos abraços. Ainda prec

_a chuva [conto]

A chuva caía rala, molhando devagar as vagas plantas esquecidas no jardim. Lembrança. Anoto mentalmente: estou com saudades de alguém. Pela janela são visíveis as grades e os remédios de folhas largas já um pouco afogadas, esbranquiçadas pela água leve que insiste em entrar em minha memória. Domingo à tarde. Estávamos nus sobre um colchão fino que permitia nos espalharmos para além de seus limites sem sentir a transição. O enorme avarandado do sítio era infestado de plantas. No ofurô, uma hora antes, começamos algo que talvez não soubéramos ainda como terminaria. Cozinhamos nosso sexo na grande bacia oriental; nossa mestre-zen do prazer a longo prazo, ela costumava dizer. Era fim de março e, estranhamente, pouco chovera. Na floresta do alheamento meus sonhos eram permeados por uma sensação breve de umidade e pelos seios moles e quentes dela sobre meu braço. As nuances de cheiros passaram de sol e calor a uma apreensão da natureza, premeditação de chuva em abundância. Nos levantamos e,