Pular para o conteúdo principal

_plínio e a mulher do corredor [conto]


I
Já passava das 20:00 quando Plínio resolveu que queria uma cerveja. Fazia uma noite de verão, mas era primavera. O calor noturno parecia grudento, e uma cerveja com boa conversa viria bem a calhar: o gelado amargo faria nada mais que realçar o calor pré-verão. Chaves na mão, pegou a carteira e deixou um recado na geladeira: "volto já". Entrou no carro apressado e se perguntando se deveria ir de carro, "é tão perto". Foi. Passou no Boteco do Jorvêncio, na esquina de trás, e viu nada mais que as pessoas de sempre. Seus ânimos pediam mais. Mais agito, mais burburinho, mais música. A familiaridade do boteco estava longe destas sensações. Parou no posto para abastecer. Entrou na loja de conveniências e pegou uma cerveja já com dúvidas sobre seu destino. Pegou, pagou, saiu. De novo no carro, ele resolve passar na vila, já sabia com quem tomar uma cerveja.

II
Plínio era um cara legal. Ou pelo menos, era o que se dizia. Bonito – bem apessoado --, simpático, tinha sempre uma frase criativa, puritanos talvez dissessem espirituosa, para tirar largas gargalhadas do "povo". Era um solteiro convicto, mas vivia em paz com as mulheres. Aliás, ela ia agora se encontrar com uma mulher. Cassiana. Com esse nome diriam que ela é, no mínimo, exótica. Na verdade, Cassiana era feia. Mas sensacional. Gostava de cerveja e conversava como um amigo e uma amiga. Capaz de rir por cinco minutos no máximo e mudar de novela para futebol na seqüência. Melhor que isso, era animadíssima, inteligente -– leitor, não esqueça, uma baranga – e levemente sarcástica, ácida mesmo.
Plínio, ao chegar na vila, deu de cara com ela. A noite prometia muita conversa e muito bom-humor. Plínio parou, chamou e, sem pestanejar (quer dizer, com muitos pestanejos mais um sorriso feio, um hábito) disse: "Só se for agora". Pediu um minuto para o amigo e duas cervejas para o vendedor de hot-dog, entrou no carro abrindo as latas.

III
Escolher um lugar não foi problema, ninguém estava duro. No bar, música boa. Ponto. Estavam de acordo. Sentaram e beberam, conversaram, sacaram, riram. E falaram mal de mundo ali (ambos adoravam). Acho que o que Plínio curtia nela era exatamente isso, a atitude despretensiosa, a presença de espírito, sem olhares e meias-palavras. Tanta cerveja estimulada pediu um banheiro

IV
"Será que a bexiga dela é maior que a das outras mulheres?", pensou sem procurar se responder. Estava mijando, apenas.
-- Oi.
Ouviu, já no corredor.
-- Opa, respondeu virando-se
-- E aí?
"no corredor? Porque?
-- O que é que aquela baranga tem? - continuou ela, despreocupada.
"Claro. Inevitável? Sim, inevitável.
-- Você fala da Cássia? Nada demais.
-- E eu?
Ele se afastou um pouco, olhou-a de cima à cintura.
-- Não sei. Não te conheço.
-- E ela?
A pergunta provocava.
-- quer saber? Baranga sim. Mas fantástica. Não conheço mulher igual: inteligente, desencanada e na cama não tem paralelo.
Virou-se para sair.
-- Ei, peraí – sentiu um tapa no ombro. Sou muito mais bonita que ela. Muito – "é mesmo", concordou Plínio mentalmente. Sou desencanada. E dou um show, só para você.
-- Não sei.
-- E quer saber?
Trocaram telefones.
Plínio sentou-se e continuou bebendo, conversando. Procurou não ver mais aquela garota o resto da noite. Cassiana não perguntou os motivos da demora, claro. Fantástica.

V
-- Alô?
-- Oi, Thabata. Sou Plínio. Outro dia, no corredor do bar... lembra... – disse, rindo.
-- Hum... você. Pensei que não ia mais me ligar.
-- Pensei que você tivesse simplesmente bebido demais.
-- Sim. E não. Sou a toda prova.
Claro, a conversa não saiu de insinuações e provocações.
-- Vamos jantar hoje, então? Disse Plínio.
-- Jantar? Claro... Que horas você passa aqui? Havia certo espanto na voz dela.
-- Às oito.
Jantaram. Plínio nunca foi tão galante. Procurou conhecer Thabata, conversar, quase um advogado –- se estes fossem agradáveis.
Leitor, conheces um poema de Carlos Pena Filho intitulado "Soneto do desmantelo azul"? No dia seguinte lá estava o poema na caixa de entrada de e-mails dela. Na tréplica, disse simplesmente: "É um convite". Ela calou envergonhada. Ele a convencera.
No quarto encontro (sem sexo, leitor, sem sexo) ela não agüentou mais. Pediu, implorou, e foram ao motel. Para ela, Plínio deixou de ser caça e se tornou um grande prêmio. E se tornou: se estraçalharam em um tesão grande, gostoso, de pele e cheiro e suor, de descansar depois. Ela entusiasmada, uma delícia. Ele deu aquele trato especial. Ela, cansada, pediu para parar um pouco.
Cigarros acesos, ele ouviu o invitável.
-- E então?
-- O quê? Respondeu com fumaça.
-- A baranga ainda é melhor?
-- Não sei, nunca transei com ela.

novembro de 04

***

Comentários

Anônimo disse…
Hey, Mauro !!!
Amei o conto !
Beijos e saudades,

Ana Paula

Postagens mais visitadas deste blog

_sustância [poema?]

relógios relógicos Substância do tempo instância do instante prismas numéricos ponteiros pesados apontam, persistem perfuram a massa insustentável da vida passando entrando saindo andando sombra solitária navegando terra adentro procurando um refúgio lunar dígitos despidos repetem repetem repetem concordam contínuos relógios, relógicos parados não mudam o tempo a nos comer ***

_abandono [conto]

Nos abandonamos, finalmente, no dia em que ela soube que eu também sabia que precisávamos conversar. Na verdade, ela foi abandonada primeiro. Não era um jogo, era uma cena de um jogo. E a tática da melhor defesa vinha a calhar, enfim, para quem não sabe como se defender no cara-a-cara. Até que não pudemos mais resistir e nos entregamos suavemente a uma conversa leve e franca, intensamente a um sexo voraz e tenso, demoradamente a um sono perturbado e solitário. Primeiro sentamos na beira do mar. Olhamos as estrelas e ela gostava de discutir sobre a imensidão. Minha idéia de que éramos um vírus, embasado no fato de que somos a única espécie que não se adapta ao meio, a deixou sinceramente perturbada. Perdemos horas tentando explicar um para o outro que estávamos abertos a qualquer tipo de idéias. E ganhamos admiração. Era carnaval, pessoas comuns se tornavam exóticas. Não houve luxúria, mas houve paixão. Sem exotismos. Nos perdíamos pouco, ainda, no silêncio de nossos abraços. Ainda prec

_a chuva [conto]

A chuva caía rala, molhando devagar as vagas plantas esquecidas no jardim. Lembrança. Anoto mentalmente: estou com saudades de alguém. Pela janela são visíveis as grades e os remédios de folhas largas já um pouco afogadas, esbranquiçadas pela água leve que insiste em entrar em minha memória. Domingo à tarde. Estávamos nus sobre um colchão fino que permitia nos espalharmos para além de seus limites sem sentir a transição. O enorme avarandado do sítio era infestado de plantas. No ofurô, uma hora antes, começamos algo que talvez não soubéramos ainda como terminaria. Cozinhamos nosso sexo na grande bacia oriental; nossa mestre-zen do prazer a longo prazo, ela costumava dizer. Era fim de março e, estranhamente, pouco chovera. Na floresta do alheamento meus sonhos eram permeados por uma sensação breve de umidade e pelos seios moles e quentes dela sobre meu braço. As nuances de cheiros passaram de sol e calor a uma apreensão da natureza, premeditação de chuva em abundância. Nos levantamos e,