10. Alcagüete
As paredes das casas se pintavam alternadamente de vermelho e branco. As caras dos moradores que se aboletaram nas janelas para ver o espetáculo também se alternavam coloridamente entre o sorriso e o espanto. Algumas pessoas já saiam de suas casas e se aglomeravam perto das viaturas paradas em frente à casa de Maurício sem mesmo sair de dentro de seus roupões e seus chinelos de meias quentes e alvas. Àquela hora da noite, em um bairro tão nobre, poucos não acordariam para ver o que poderia estar acontecendo.
Sr. Pedro do Cáucaso, o sr. é acusado de latrocínio e está preso. Tem direito a um advogado. Se não puder pagar pelos serviços o Estado...
A ladainha do policial era dita para a câmera de TV, não para o preso. Os jornais – sensacionalistas todos – não perderiam a chance de botar no ar a prisão do primo do Deputa Maurício de Lima dentro de sua casa, acusado de roubo seguido de homicídio. Pior, a situação da prisão era terminantemente pífia: um dos convidados do deputado, aliado de partido, fora vítima do crime cometido pelo tal Pedro Manivela, e por pouco não fora assasinado também. Segundo o convidado, conseguira dar um soco na cara do criminoso e em seguida correr para um boteco ali perto onde permaneceu em segurança. O colega assassinado era vítima de difamação e calúnia, tentaram acusá-lo de desvio de verbas (o convidado do deputado aproveitou para dar sua ladainha ao público). Assim que reconheceu o assaltante ele pegou o celular e ligou para o repórter seu amigo. E em seguida para a polícia. Quando a polícia chegou ao local da prisão a van da TV já estava armando o circo. Pedro não abriu a boca. A família dele saiu devagar, meio envergonhada e meio desconfiada, de dentro da casa. Maurício foi o único que não deu as caras. Quando Pedro foi gentilmente colocado dentro do camburão Maurício o olhava lá de cima, na sacada de seu quarto. Ambos sabiam, a vida deles nunca mais se cruzaria.
Fim
***
Mauro Litrenta
São Paulo, junho de 2006
As paredes das casas se pintavam alternadamente de vermelho e branco. As caras dos moradores que se aboletaram nas janelas para ver o espetáculo também se alternavam coloridamente entre o sorriso e o espanto. Algumas pessoas já saiam de suas casas e se aglomeravam perto das viaturas paradas em frente à casa de Maurício sem mesmo sair de dentro de seus roupões e seus chinelos de meias quentes e alvas. Àquela hora da noite, em um bairro tão nobre, poucos não acordariam para ver o que poderia estar acontecendo.
Sr. Pedro do Cáucaso, o sr. é acusado de latrocínio e está preso. Tem direito a um advogado. Se não puder pagar pelos serviços o Estado...
A ladainha do policial era dita para a câmera de TV, não para o preso. Os jornais – sensacionalistas todos – não perderiam a chance de botar no ar a prisão do primo do Deputa Maurício de Lima dentro de sua casa, acusado de roubo seguido de homicídio. Pior, a situação da prisão era terminantemente pífia: um dos convidados do deputado, aliado de partido, fora vítima do crime cometido pelo tal Pedro Manivela, e por pouco não fora assasinado também. Segundo o convidado, conseguira dar um soco na cara do criminoso e em seguida correr para um boteco ali perto onde permaneceu em segurança. O colega assassinado era vítima de difamação e calúnia, tentaram acusá-lo de desvio de verbas (o convidado do deputado aproveitou para dar sua ladainha ao público). Assim que reconheceu o assaltante ele pegou o celular e ligou para o repórter seu amigo. E em seguida para a polícia. Quando a polícia chegou ao local da prisão a van da TV já estava armando o circo. Pedro não abriu a boca. A família dele saiu devagar, meio envergonhada e meio desconfiada, de dentro da casa. Maurício foi o único que não deu as caras. Quando Pedro foi gentilmente colocado dentro do camburão Maurício o olhava lá de cima, na sacada de seu quarto. Ambos sabiam, a vida deles nunca mais se cruzaria.
Fim
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Mauro Litrenta
São Paulo, junho de 2006
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