9. Em casa
Sem nenhum abraço eles se abraçam. São primos. Coisa melhor existe em família. Mas veja, o clima pesou. Embaraço. Embaraço total.
E aí.
E aí.
Era para ser um churrasco em família. Na verdade foi. Um belo churrasco. Muitos amigos e poucos familiares. Coisas da vida. Ele entra para pegar uma cerveja (todas estavam lá fora, no frízer – freezer, porra –, todas). Vai além da cozinha. Há vozes lá. Baixas e envergonhadas. Todos assistem à TV sem pisar no tapete. É a família. Tapete grande e sóbrio. Se não saiu de uma revista de decoração no mínimo é de bom gosto. Voltar? Todos parecem encantados ali. Lá fora há risos que chamam para mais um gole. Conversas que terminam em risos. Saiu.
Às vezes queremos nos esconder. Às vezes não somos percebidos. Coisas que acontecem.
Maurício entrou na conzinha ainda rindo. Pedro folheava um jornal velho que estava sobre o balcão. Ele fingia ler o jornal para poder observar o primo de canto-de-olho. Maurício:
Eu vi isso. Foi camarada seu que fez o serviço, Pedro? Tava lá na área. Coisa de doido. Não se mora mais nessa cidade: se esconde em casa. Moramos em caixas e usamos caixas para nos locomover.
Aí, por nada não, Mau, mas o cara foi na hora dele.
Silêncio. Nada brutal, mas com espanto. O problema do silêncio mora no tempo. Se o tempo é um interminável agora, talvez o agora seja sempre o limite. Olhos em apenas uma pessoa ignorada. Maurício:
Foi na hora. Ele não quis entregar o celular, deve ter tomados duas na cara sem esforço.
Maurício é assim: fala a esmo. Playboy é assim, segundo Pedro. Maurício continuou:
Cara, se ele tivesse algo mais, devia ter entregado antes que alguém pedisse. Saca? Os caras são foda: um assalto não é o fim. Mas pode ser. Depois de pedir "nada". Porra, entrega pra geral, melhor coisa, tomar pipoco de besteira. Imagina você com um tiro na cara de graça: pega o celular, fulano. Pego. Se pra pegar tem enrosco, não tem crise, o cara toma na fuça pelo menos um. Mais dois na barriga. Liga?
Dá nada não, Mau. Virou lenda. Borra a cena, cara. Você tava lá?
Não, Pedro. Sou um cara ocup...
Então esquece, cara.
Os olhos de Pedro eram duas pedras em um estilingue gingante que consumiram a coragem de Maurício. Ele deixou Pedro sozinho na cozinha e voltou para a churrasqueira. Pedro e Maurício sabiam de uma coisa: a idade que os separava antes era nada agora. A barreira que se erguera entre eles é chamada de grana por uns, de soberba por outros. Entre eles não havia um nome para essa distância. Apenas o sentimento.
***
continua...
Sem nenhum abraço eles se abraçam. São primos. Coisa melhor existe em família. Mas veja, o clima pesou. Embaraço. Embaraço total.
E aí.
E aí.
Era para ser um churrasco em família. Na verdade foi. Um belo churrasco. Muitos amigos e poucos familiares. Coisas da vida. Ele entra para pegar uma cerveja (todas estavam lá fora, no frízer – freezer, porra –, todas). Vai além da cozinha. Há vozes lá. Baixas e envergonhadas. Todos assistem à TV sem pisar no tapete. É a família. Tapete grande e sóbrio. Se não saiu de uma revista de decoração no mínimo é de bom gosto. Voltar? Todos parecem encantados ali. Lá fora há risos que chamam para mais um gole. Conversas que terminam em risos. Saiu.
Às vezes queremos nos esconder. Às vezes não somos percebidos. Coisas que acontecem.
Maurício entrou na conzinha ainda rindo. Pedro folheava um jornal velho que estava sobre o balcão. Ele fingia ler o jornal para poder observar o primo de canto-de-olho. Maurício:
Eu vi isso. Foi camarada seu que fez o serviço, Pedro? Tava lá na área. Coisa de doido. Não se mora mais nessa cidade: se esconde em casa. Moramos em caixas e usamos caixas para nos locomover.
Aí, por nada não, Mau, mas o cara foi na hora dele.
Silêncio. Nada brutal, mas com espanto. O problema do silêncio mora no tempo. Se o tempo é um interminável agora, talvez o agora seja sempre o limite. Olhos em apenas uma pessoa ignorada. Maurício:
Foi na hora. Ele não quis entregar o celular, deve ter tomados duas na cara sem esforço.
Maurício é assim: fala a esmo. Playboy é assim, segundo Pedro. Maurício continuou:
Cara, se ele tivesse algo mais, devia ter entregado antes que alguém pedisse. Saca? Os caras são foda: um assalto não é o fim. Mas pode ser. Depois de pedir "nada". Porra, entrega pra geral, melhor coisa, tomar pipoco de besteira. Imagina você com um tiro na cara de graça: pega o celular, fulano. Pego. Se pra pegar tem enrosco, não tem crise, o cara toma na fuça pelo menos um. Mais dois na barriga. Liga?
Dá nada não, Mau. Virou lenda. Borra a cena, cara. Você tava lá?
Não, Pedro. Sou um cara ocup...
Então esquece, cara.
Os olhos de Pedro eram duas pedras em um estilingue gingante que consumiram a coragem de Maurício. Ele deixou Pedro sozinho na cozinha e voltou para a churrasqueira. Pedro e Maurício sabiam de uma coisa: a idade que os separava antes era nada agora. A barreira que se erguera entre eles é chamada de grana por uns, de soberba por outros. Entre eles não havia um nome para essa distância. Apenas o sentimento.
***
continua...
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